O fim da hierarquia supralegal dos tratados internacionais: análise da ADI n. 5.543/2020-DF à luz da teoria argumentativa de MacCormick

Ana Maria D´Ávila Lopes, Patrícia K. de Deus Ciríaco

Resumo


Em 11 de maio de 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou a Ação Direita de Inconstitucionalidade no 5.543/2020 DF, decidindo pela inconstitucionalidade das normas federais que restringiam a doação de sangue por homossexuais do sexo masculino. Em voto vencedor, o Ministro Relator Edson Fachin retomou a tese da hierarquia materialmente constitucional de todos os tratados internacionais de direitos humanos, pondo fim à tese da hierarquia supralegal fixada pelo próprio STF no RE 466.343-1 SP de 2008. Nesse contexto, o presente trabalho objetivou demonstrar, com base na teoria argumentativa de Neil MacCormick, que essa decisão do STF não atendeu os requisitos de correção propostos pelo jurista escocês. Para tal, foi realizada pesquisa bibliográfica na doutrina nacional e comparada, bem como pesquisa documental na jurisprudência nacional, sendo esses dados analisados por meio dos métodos dedutivo e indutivo respectivamente. Desse modo, verificou-se que, embora a decisão possa ter atendido ao critério da universabilidade, não atendeu os critérios de consistência e coerência, podendo, portanto, ser considerada incorreta, nos termos defendidos pela teoria argumentativa de MacCormick.

Palavras-chave


Bloco de Constitucionalidade. Hierarquia supralegal. Hierarquia dos tratados. Direitos LGBT. Argumentação Jurídica

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DOI: https://doi.org/10.5102/rdi.v18i2.7320

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