“Ministrocracia” e decisões individuais contraditórias no Supremo Tribunal Federal

Ulisses Levy Silvério dos Reis, Emilio Peluso Neder Meyer

Resumo


O objetivo do artigo é questionar se a ministrocracia, categoria que busca explicar a atuação individual dos Ministros do Supremo Tribunal Federal como agentes que bloqueiam a deliberação da instituição, prejudica a legitimidade do ente de maior destaque responsável pela interpretação da Constituição Federal de 1988. Este trabalho investigará como a atuação do Ministro Dias Toffoli na Presidência (2018-2020) do órgão expandiu o cenário de decisões individuais contraditórias entre os seus membros e aumentou este problema. A pesquisa se baseou na metodologia de análise de fontes diretas e indiretas, com ênfase no acesso a relatórios da evolução decisória quantitativa do tribunal e às decisões prolatadas por seus membros, a partir do recorte temporal 2018-2020, contextualizados à luz da literatura. O trabalho foi dividido em três partes. Primeiro, investiga-se como as modificações normativas ocorridas nos anos 2000 estimularam a atuação individual dos Ministros. Segundo, analisa-se como esse fenômeno foi potencializado na gestão presidencial do biênio 2018-2020, gerando conflitos decisórios internos. Terceiro, explora-se alterações regimentais capazes de trazer maior coesão decisória à jurisprudência da Corte. Concluiu-se que o contexto de “guerra de liminares” ocorrido durante a presidência do Ministro Dias Toffoli amplificou a ministrocracia e que mudanças regimentais podem estimular a colegialidade no Supremo Tribunal Federal. A contribuição do artigo está em focar em um tema pouco explorado, mas de elevadas implicações práticas no exercício jurisdicional.

Palavras-chave


Supremo Tribunal Federal; Decisões individuais; Guerra de liminares; Ministrocracia; Colegialidade.

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DOI: https://doi.org/10.5102/rbpp.v11i3.7418

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