Poder normativo das cortes constitucionais: o caso brasileiro

Inocêncio Mártires Coelho

Resumo


As constituições, como documentos vivos e abertos à ação do tempo, estão sujeitas ao panta rhei, à lei da eterna transformação. Na medida em que disponham de força normativa ─ por sua própria natureza e função, todas elas possuem esse atributo em alguma medida ─ , ao mesmo em que se modificam, vão modificando a realidade em que emergem e sobre a qual atuam, numa fecunda interação dialética entre realidade constitucional e texto constitucional, entre âmbito normativo e programa normativo, ou se, quisermos entre infraestrutura e superestrutura. Não seria diferente, portanto, a forma de ser e de existir da nossa Carta Política, que foi promulgada em 5 de outubro de 1988 e até hoje permanece em vigor, graças à nossa vontade de Constituição, ao respeito que lhe devotamos, como a lei suprema que rege a nossa vida em comum;
2. As cortes constitucionais, institucionalmente, situam-se fora e acima da tradicional tripartição dos poderes do Estado. A matéria prima com que trabalham esses supertribunais é o texto da Constituição. Esse texto é o mais aberto possível; por isso, comporta as mais diversas leituras, a depender de cada situação hermenêutica, leituras que, pela natureza e função dessas cortes, incorporam-se à Constituição, como se fossem emendas constitucionais, mesmo que esses tribunais não disponham, expressamente, desse "poder constituinte" atípico. Assim, a cada interpretação, a Constituição vai sendo reescrita, por via hermenêutica, e contra isso não há outra saída senão a crítica externa, que inibe, mas não impede, esse comportamento dos órgãos encarregados de dar a última palavra ─ nem que seja uma última palavra provisória ─ sobre o sentido e o alcance dos preceitos constitucionais. Nisso consiste o poder normativo da jurisdição constitucional ou a dimensão normativa das suas interpretações.

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DOI: https://doi.org/10.5102/rbpp.v5i3.3807

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